sábado, 18 de junho de 2011

Teologia, Violência e Cidadania - Júlio Zabatiero


Dr. Júlio Zabatiero


“Se conseguimos levar centenas de milhares às ruas na Marcha para Jesus, podemos levar número similar em Marchas pela Paz”



Nas duas últimas colunas, tratei dos temas do aprisionamento e da violência promovida pelo PCC na capital de São Paulo sob as óticas teológica e exegética. Volto ao assunto, desta vez a partir de uma abordagem missiológica. Repito a lição mais elementar que a História nos legou sobre o tema: violência só gera mais violência. A resposta para a violência tem de ser de outro tipo. Jamais pode ser violenta, porque responder à violência de forma violenta apenas amplia a violência e cria um regime de violência. Como vimos na coluna anterior, a resposta neotestamentária está na quebra do círculo vicioso da violência – está na reconciliação, está no fazer as pazes, pois “bem-aventurados são os pacificadores”.

Em uma situação de violência provocada pelo crime organizado, em parte como reação ao sistema penitenciário, em parte como projeto de amedrontamento da população e enfrentamento do Estado, que passos podem ser tomados para atuar como pacificadores? Algumas sugestões para reflexão:
Em primeiro lugar, não se pode esperar que o Estado sozinho resolva todas as questões envolvidas na situação de violência presente em São Paulo e em outras cidades do país. Entretanto, o Estado deve assumir a sua responsabilidade no processo, promovendo uma genuína reforma do sistema prisional para que deixe de ser um espaço de aumento da criminalidade e se torne, de fato, um meio de ressocialização de pessoas que foram condenadas por infrações ao Código Penal.

Cabe à população pressionar o Estado para que realize tal reforma. Do ponto de vista da missão cristã, é necessário que o povo de Deus atue significativamente nessa pressão, juntamente com outros segmentos da sociedade civil. Contatos com vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores podem ser realizados com vistas à agilização dos debates parlamentares sobre o tema, bem como para pressão sobre os poderes executivos municipais, estaduais e federal. Tais contatos podem ser feitos via telefone, e-mail, reuniões pessoais agendadas, mediação de assessores de parlamentares. O voto deve ser valorizado pelos eleitores e eleitoras. As pessoas eleitas nos representam e têm a obrigação de nos ouvir e levar em consideração as nossas prioridades sociais em seu trabalho parlamentar.

Outra forma de pressão são as passeatas e marchas, que podem ser realizadas de modo a tornar pública a posição da sociedade contra a escalada da violência urbana. Se nós, evangélicos, conseguimos levar centenas de milhares às ruas na Marcha para Jesus, podemos levar número similar em Marchas pela Paz. Não faz sentido marchar para Jesus e não marchar para a Paz, pois Jesus é a paz de Deus para a humanidade. Nas sociedades contemporâneas, a mídia possui um importante papel na formação da opinião pública e na pressão sobre o Estado. Precisamos tirar proveito desse papel da mídia e promover eventos que convoquem os canais de TV, as emissoras de rádio e os jornais para que, através de sua cobertura jornalística, multipliquem a força do movimento da sociedade organizada em busca do bem comum.

Segundo: precisamos repensar nosso conceito de povo de Deus em missão. É comum, no meio evangélico, pensar na missão como uma atividade exclusiva de pessoas filiadas a igrejas evangélicas. Esta visão é incorreta do ponto de vista missiológico. O povo de Deus, em missão, reconhece que há várias áreas do trabalho missionário em que precisa atuar em parceria com pessoas, grupos sociais, movimentos e instituições não vinculadas a igrejas evangélicas, ou mesmo não pertencentes a igrejas cristãs. A Igreja não é a comunidade dos “chamados para fora do mundo e para dentro da igreja”, mas a comunidade dos “chamados para ir ao mundo, em nome de Cristo, para realizar a missão”.

A ec-clesia (“convocados de dentro para fora”, na etimologia do termo) é chamada para ir ao mundo, seguindo o exemplo de Jesus, que saiu “de dentro” da morada divina e se encarnou “na Criação” (Fp 2.5-11; Jo 1.1-14; etc.) Assim como Jesus foi enviado ao mundo pelo Pai, ele também nos envia ao mundo para realizar a missão (Jo 17.1ss). Enviados ao mundo por Jesus, na força do Espírito, podemos desenvolver a nossa cidadania terrena nos moldes e valores da missão do povo de Deus. A co-beligerância em prol dos valores do Reino de Deus é legítima e desejável. Não podemos nos isolar como se fôssemos guetos religiosos e políticos que aguardam a destruição do mundo. Somos sal da Terra e luz do mundo. Se ficarmos nos saleiros e deixarmos nossas lâmpadas acesas dentro debaixo dos altares religiosos, não exerceremos a cidadania do Reino no dia-a-dia da sociedade.


Diante de situações de violência como a que enfrentamos em grandes cidades no Brasil, a população organizada precisa ir às ruas e dizer em alto e bom som: “Somos a favor da paz, não aceitamos a violência, não aceitamos a criminalidade, não aceitamos a corrupção, não aceitamos a repressão armada que apenas aumente a mortandade.” Precisamos nos educar, como povo de Deus e como sociedade brasileira, a viver em busca da permanente reconciliação e da paz social – paz que só se concretiza juntamente com a justiça. Chamadas e chamados por Jesus, somos cidadãs e cidadãos dos céus e também da Terra – e nela realizamos a missão, antecipando escatologicamente os céus que esperamos (Rm 8.18ss).



Júlio Zabatiero é Doutor em Teologia e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana Independente da Coloninha. Além disso é professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS), presidente da Fraternidade Teológica Latino-Americana, setor Brasil, e professor visitante da Faculdade Teológica Sul Americana. 

  

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