Por Marcos Aurélio dos Santos
Ao lermos o sermão do monte, que tem seu inicio no
capitulo cinco e se encerra no capitulo sete do evangelho de Mateus, o
ensinamento de Jesus estimula seus primeiros discípulos a fazer uma releitura da
interpretação da lei, desafiando-os a um retorno a mensagem dos profetas do
antigo testamento. A nova proposta tinha como objetivo uma reinterpretação da
lei numa tentativa de redescobrir o verdadeiro sentido da espiritualidade, que
por sua vez deveria resultar numa relação amorosa e verdadeira com o Deus de
Israel.
Na nova aliança, a adoração deveria estar totalmente
desprendida do formalismo, legalismo e tradicionalismo, fato que predominava na
prática religiosa dos Judeus da época. O retorno ao ensino dos profetas
causaria transformações profundas nos corações distanciados de Deus. A
religiosidade expressada apenas no discurso, nos ritos e na formalidade,
deveria tomar dimensões maiores onde o coração deveria ser o ponto de partida
de toda adoração.
Na nova proposta de Jesus de Nazaré, a verdadeira expressão de espiritualidade cristã deve se evidenciar na vida prática, nos acontecimentos cotidianos, que por sua vez os valores do reino de Deus devem ser expressos. Crer e Ser deveria ser o alvo de todo discípulo.
No capitulo cinco, dos versículos um ao doze, Jesus
ensina que a verdadeira felicidade é encontrada no cultivo de valores que transcendem
a vida temporal. Estes estão acima de posses materiais que podem trazer uma
felicidade momentânea, incerta, imperfeita e limitada, ao passo que a primeira
é perfeita e eterna.
Jesus inicia seu sermão dizendo que bem aventurado, (Gr. Makarios= Feliz, Abençoado), são os
humildes de espírito porque deles é o reino dos céus (v3). Não apenas os desprovido de bens materiais, mas indivíduos de coração quebrantado, humilhado,
submissos á vontade do pai, reconhecedores dos grandiosos benefícios da graça
divina, reconhecendo que tudo que tem de bom, quer material, quer espiritual, provem
dessa graça.
Ser humilde de espírito é reconhecer suas limitações,
fraquezas e pecados diante da poderosa soberania de Deus, é ser como meninos,
totalmente dependentes dos pais (Mt. 18.3-4), que somos inevitavelmente
dependentes de Deus (Jo.15.1-5). Os que pretendem confiar em si mesmo,
rejeitando os cuidados do pai celestial, haverão de sofrer danos (Jo.15.6).
A humildade é encontrada naqueles que estão dispostos a
esvaziar-se de si, e pedir ao pai o enchimento do Espírito (Ef.5.18). São
aqueles que sempre reconhecerão o senhorio de Cristo, colocando-se na condição
de servo e não de senhor. Estes não terão mais a pretensão de achar que são
humildes, pois o exercício do quebrantamento, da humilhação, da piedade e do
amor a Deus e ao próximo, os velará a trilhar no verdadeiro caminho da
humildade.
No versículo quatro, Jesus diz que bem aventurados são os
que choram porque acharão consolo. O choro da bem aventurança pode ser expresso
em várias circunstâncias. Podemos chorar lamentando nossos próprios pecados,
reconhecendo nossa condição de pecador dependente da graça de Deus, chorando em
momentos de confissões sinceras de pecado acompanhado de arrependimento, aprendendo nas tribulações, buscando refrigério em Deus. Não o
choro do desespero, da incerteza, mas de um coração humilhado diante de Deus,
não lágrimas motivadas pelo remorso, como Judas e Esaú que ainda derramando-as, não achou lugar de arrependimento (Hb. 12.16-17). Podemos chamar essa
experiência de choro do Espírito, onde as emoções humanas dão lugar à ação
poderosa do Espírito Santo na vida do servo de Deus.
Outro motivo louvável para chorar é o choro por amor aos
perdidos. O amor pelos não salvos deve produzir em nós compaixão, desejo
ardente de pregar o evangelho, ir ao encontro deles, servindo, doando-se, amando o próximo. Em missões para onde o Senhor nos envia, certamente ele
levantará homens e mulheres dispostos a regar o pasto com lágrimas por amor ao
reino de Deus. As orações de interseção, as viagens, os conflitos, as perdas,
os fracassos na evangelização e dentre outras situações na missão, poderão
produzir lágrimas em um coração ardente e sincero de um missionário de Deus.
Em meio ao choro
virá a certeza do consolo divino. Os que derramaram lágrimas encontrarão a
felicidade na promessa de que o próprio Deus as enxugará, e nos apascentará
(Ap.7.17; 21.4). Esta será a recompensa
para aqueles que sinceramente quebrantaram os corações. Na caminhada da vida,
se submeteram a sua vontade. Estes, nunca mais haverão de chorar porque serão
eternamente consolados por Cristo.
O Cordeiro tomará o papel de Pastor e do seu trono nos
apascentará, nos guiará para fontes de água viva e reinaremos eternamente com
ele (Ap.7.17).
Os mansos também encontrarão felicidade. Se alguém busca
esta virtude certamente a encontrará em Cristo. Em sua missão ele desafia seus
discípulos a aprender dele sobre mansidão e humildade. Aqueles que estivessem
dispostos a se dobrar diante de seu julgo, que não seria mais o julgo e o fardo
pesado da obrigação da lei com suas observâncias e ordenanças, impostas pelos
religiosos da época, passariam a exercitar a virtude da mansidão (Mt.11.29).
Ser manso é equivalente e ser humilde. É ser submisso a Cristo,
aprender com ele a bem aventurança de ser moderado, ouvinte, sereno, paciente,
equilibrado, acolhedor, é ter espírito de mansidão (1Pe.3.4;1 Cor.4.21; Ef.
4.2).
Outro personagem bíblico merece atenção, quanto ao
assunto da mansidão. No livro de Números, no capitulo 12 versículo 3, a palavra
manso vem do hebraico Anâw, uma referencia aos pobres, simples
e ignorantes, mas também refere-se as virtudes de humildade e ternura
encontradas no servo Moisés. Ele se destaca entre os líderes do antigo
testamento como o homem mais manso entre os homens da terra (Nm.12.3). Sua
trajetória na missão que lhe foi entregue revela o quanto Moisés tinha esse
espírito de mansidão. Intercessor paciente, com mansidão aguardando a resposta
de Deus no tempo oportuno, submisso a vontade soberana de Deus como pastor do
rebanho que lhe foi entregue.
Certamente o exemplo de Cristo, como do servo Moisés, nos
traz lições valiosas quanto ao ensino das bem aventuranças. Feliz é aquele que
aguarda atenciosamente o cumprimento dessa maravilhosa promessa de herdar a
terra juntamente com Cristo.
Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque
serão fartos(V.6).
Essa justiça implica em reconhecer o quanto somos
pecadores, convictos que fomos justificados pela graça de Deus. O Dr. Martin
LIord-Jones comenta:
“ter
fome e sede de Justiça significa anelar por ser livre do pecado, porque o
pecado nos separa de Deus. Assim sendo, o desejo de obter a justiça é o desejo
de estar bem com Deus, desejo de desvencilhar do pecado...” (Citação de Jones
retirado do livro ministério cristão e espiritualidade de Durvalina Bezerra).
Em nossa relação com Deus inevitavelmente não estaremos
em plena comunhão numa forma total e completa, isso pelo fato de nossa velha
natureza ainda atuar em nós. O escape está na justificação em Cristo Jesus que
pela sua maravilhosa graça, por meio da fé, nos livra de toda culpa (Ef.
2.8-9).
A fome e sede pela justiça são saciadas quando recusamos
a perigosa sugestão da carne na auto- justificação. Não devemos procurar desculpas para
justificar nossos pecados, mas com atitude de arrependimento devemos nos aproximar
de Deus como reconhecedores de sua graça. Admitir nossos erros e buscar o
gracioso perdão. Procurar refrigério e consolo em um Deus rico em misericórdia.
Bem aventurados os misericordiosos porque alcançarão
misericórdia (v7).
Os misericordiosos são aqueles que se compadecem do
próximo. Estes têm boa disposição para acolher, não julgam pela aparência, mas
com espírito misericordioso leva a carga do outro, suportando as debilidades
dos mais fracos, não agradando a si mesmo, mas usando de misericórdia para com
todos (Rm.15.1).
Ser misericordioso é ter compaixão pelo necessitado
colocando a misericórdia acima dos ritos e obrigações religiosas. Jesus ilustra
bem essa verdade na parábola do bom samaritano. O levita e o sacerdote
priorizaram suas obrigações religiosas em detrimento do socorro ao homem
ferido, ao passo que o samaritano demonstra uma atitude de bondade, compaixão e
amor, transcendendo a forma de espiritualidade praticada pelos líderes
religiosos da época.
Quanto de nós por muitas vezes priorizamos as programações
eclesiásticas em nossas igrejas, e outras obrigações que são comissionadas aos
membros da denominação, em detrimento do exercício da misericórdia? Quem acolherá o doente? Quem socorrerá o
faminto? Quem dará abrigo ao sem teto? Não seria esta a nossa missão?
A bem aventurança em ser misericordioso está no fato de
que alcançaremos misericórdia da parte de Deus. Ela virá acompanhada de
acolhimento, afeto, perdão, frutos da maravilhosa graça. Esta necessita de ser
imitada, buscada desejada, pois o alvo aponta para uma vida que imita Cristo.
Bem aventurados os limpos de coração porque eles verão a
Deus (V8). Nessa parte do sermão Jesus propõe aos seus discípulos a busca de
uma santidade no interior. O desafio estava em viver uma espiritualidade não exteriorizada.
As esmolas, o jejum, a oração como toda prática de espiritualidade deveria
partir do interior do homem, a raiz de toda adoração deveria partir do coração
(Mt.6.1-18).O exercício de uma santidade no interior motivaria os discípulos a avaliá-los
a si mesmo numa auto-sondagem do seu próprio ser.
Foi esta experiência que viveu o teólogo Agostinho de
Hipona quando percebeu que o mal não estava do lado de fora, mas em nosso
interior. Este é o ponto de partida para uma percepção de nossa natureza pecaminosa
e conseqüentemente gerar em nós uma atitude de contrição e quebrantamento,
levando-nos a uma total dependência de Deus na busca da santificação. Os limpos
de coração terão a grata satisfação de ver Deus como ele é. Contemplar sua
santidade e reinar com Cristo eternamente.
Bem aventurados os pacificadores porque serão chamados
filhos de Deus (V.9).
Os pacificadores são os que semeiam a paz. Ser pacifico é
aborrecer todo e qualquer tipo de inimizade. Fogem de
contendas. Uma das principais características do pacificador é sua capacidade
de liberar perdão. Fica em permanente inquietação enquanto não resolver os maus
entendidos com um irmão, não permite que seu coração seja solo fértil para
semeadura de contendas, raiz de amargura, ódio, rancor e tudo que é contrario a
paz e a comunhão no corpo de Cristo.
Os pacificadores não medem esforços para promover a paz.
Em situações de conflito entre irmãos, sempre apontam o caminho da
reconciliação e do perdão.
Aborrece a maledicência, o exclusivismo, o
individualismo, mas com espírito pacificador semeiam os benefícios concedidos
pela graça divina, estes serão verdadeiramente chamados filhos de Deus, pois
tiveram um estilo de vida semelhante ao do Senhor e mestre Jesus Cristo, são os
que refletiram o caráter de Deus em suas vidas.
Bem aventurados os perseguidos por causa da justiça
porque deles é o reino dos céus (v.10). São os que sofrem por amor a Cristo,
que em meio às perseguições permanecem perseverantes até o fim. Suportam o
sofrimento, sofrem o dano por causa da justiça, renunciam a si mesmo em
benefício do reino, estão dispostos a levar a Cruz (Calculam o preço), tem como
prioridade de vida a busca do reino de Deus e sua justiça (Mt.6.33), encaram as
perseguições como um estimulo para prosseguir
na caminhada com desejo de estar mais próximo de Deus, colocam os valores
celestiais acima dos valores terrenos. O regozijo está na grande recompensa que
vem do céu, sabendo que aqueles que vieram antes de nós, também sofreram
perseguições (Mt.5.12).
A verdadeira felicidade certamente será encontrada na
busca por estes valores, nos quais transcende o aqui e agora, o humano, o
compreensível. Os bem aventurados terão o privilegio de contemplar o sublime, o
eterno, verão a grandeza e majestade do reino messiânico, reinarão eternamente
com Cristo. Felizes são aqueles que aguardam as promessas divinas firmados na
bendita esperança, a saber, o dia da gloriosa vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo!
Jovem teológo, parabéns e abraços.
ResponderExcluirParabéns pelo texto! Muito bom.
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