O apóstolo Paulo, ao exortar seu filho na fé Timóteo a combater e resistir aos males e corrupções dos tempos difíceis, o aconselha dizendo: "Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste. E que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra" (II Timóteo 3:14-17).
Diante da crise, da confusão instalada e alimentada por homens egoístas, avarentos, arrogantes, ingratos e irreverentes; do abandono da verdade, da perda de significado, da corrupção da mente e do coração e de uma fé confusa, Paulo apela para que Timóteo volte para as Escrituras e que permaneça nelas.
Vivemos hoje um tempo semelhante ao descrito por Paulo no capítulo 3 da segunda carta a Timóteo. Um tempo onde o egoísmo, alimentado pelo individualismo narcisista, desenvolve um modelo de fé num Deus comprometido em nos agradar e satisfazer nossas necessidades mundanas e mesquinhas. Um tempo onde pastores e pregadores estão mais interessados em construir seus pequenos impérios, seduzindo e iludindo homens e mulheres ingênuos, manipulando suas mentes e roubando seus bolsos. Um tempo onde a busca pelo poder, sucesso, admiração e reconhecimento tomaram o lugar da piedade, simplicidade e sensatez. Num tempo assim, precisamos mais uma vez voltar para as Escrituras e encontrar um eixo em torno do qual devemos orientar nossa espiritualidade.
Viemos de Deus e voltaremos para Deus. Somente ele pode dar sentido à vida. Como disse Agostinho no início de suas Confissões: "Fizeste-nos para ti, ó Deus, e nossa alma não encontrará repouso enquanto não descansar em ti". O mesmo apóstolo Paulo também afirmou que nossa vida está oculta em Cristo e que se alguém deseja encontrá-la, deve procurá-la na comunhão com ele. Temos hoje muitas ferramentas que nos ajudam a compreender a complexidade da vida: sociologia, antropologia, psicologia etc; no entanto, nenhuma delas nos levará ao coração dos nossos anseios, senão o encontro com o próprio Deus revelado em seu Filho Jesus Cristo. É por isto que Paulo coloca as Escrituras como a única ferramenta capaz de conduzir o homem à sua plenitude e colocá-lo no caminho das boas obras.
São as Escrituras que tornam o homem sábio para a salvação. Sabedoria não é uma conquista acadêmica, e sim uma dádiva da salvação. A redenção do homem é a obra da graça de Deus que o salva de um mundo que o escraviza. Jacques Ellul descreve a ação salvadora de Deus como um processo que nos liberta de um cativeiro com o qual nos acostumamos e resistimos a sair dele. Ele descreve a ação salvadora como algo muitas vezes catastrófico: "Cada ato de Deus em Jesus Cristo implica, para os homens inseridos no mundo, solidários com o mundo, separados de Deus, em conflito com ele, um aspecto catastrófico.
"O homem é de tal forma presa das potências, de tal forma associado às obras delas, diverte-se de tal forma para proveito delas, deseja de tal forma tudo o que elas oferecem, concebe a tal ponto a sua vida separada de Deus, que qualquer aproximação de Deus, qualquer obra positiva de Deus, lhe aparece como uma perturbação inaceitável e, finalmente, um ataque contra ele mesmo. Quando Deus vem libertá-lo, não percebe absolutamente a sua libertação; protesta contra a ruptura destes maravilhosos objetos que são as suas correntes ou as portas da sua prisão: as correntes adoradas. É bem esta a situação do homem. E devemos compreender que toda obra de libertação é efetivamente destruidora do ambiente mau".
A sabedoria da salvação consiste em reconhecer esta ação salvadora de Deus e aprender a olhar para a vida com os olhos do Criador e, a partir dele, viver a vida liberta. São as Escrituras que orientam e corrigem nossos caminhos. Ignorá-la é entrar numa grande floresta sem bússola, é se aventurar ao mar sem conhecer a astronomia ou os instrumentos que nos guiam na escuridão. Jesus certa vez disse: "Errais, não conhecendo as Escrituras"; erramos e continuaremos errando na medida em que nos afastamos da revelação de Deus em Cristo Jesus. A ignorância da salvação de Deus é o maior inimigo do homem; é a maior causa de conflitos e perturbações da alma.
Reconheço que para muitos o estudo e a meditação na Bíblia é uma tarefa difícil, enfadonha e cansativa. É assim que muitos se sentem, inclusive eu. Preferimos então beber água de segunda mão do que cavar nosso próprio poço. "Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste", dizem as Escrituras; noutras palavras, Paulo insiste dizendo: construa sua própria fé, crie raízes para suas convicções, não permita que outros te seduzam com fábulas e fantasias. Por certo, será um caminho que exigirá mais esforço e disciplina, mas é caminho de vida, de justiça e paz. Permaneçam nele, guardem as verdades bíblicas que aprenderam na igreja, nas conversas com irmãos, nas meditações devocionais.
No Velho Testamento somos recomendados a fixar a Palavra de Deus nos umbrais de nossas portas para lembrar dela sempre, que devemos repeti-la quando andamos pelo caminho, quando deitamos ou levantamos. Davi dizia que a Palavra de Deus era como mel para seu paladar e que a desejava muito mais do que um rei desejava o ouro.
Temos vivido momentos difíceis, mas quero aqui recomendar: Leia a Bíblia, não passe um dia sem meditar nela. Pode parecer uma recomendação simplista, mas logo você descobrirá que ela é fonte de uma salvação sábia e que somente através dela é que nos tornaremos aptos e preparados para viver.
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